PROFESSOR DEFENDE ENSINO SECULAR

janeiro 16, 2011 § Deixe um comentário

A TRIBUNA, 15-01-2011

UNIVERSIDADE E LIVRE PENSAR

Em minha prática pedagógica, é comum eu baixar o cipó na tentativa das religiões
de entrarem no campus da universidade para fazer o velho conhecido proselitismo
religioso. Normalmente, surgem fervorosos defensores dessa ou daquela igreja
para dizer que o apostolado de suas denominações faz assim ou assado a pregação
religiosa na academia. Mas, o diabo (se é que isso existe) é que os novéis
estudantes não caem no laço lançado e descambam para a defesa irracional de um
credo religioso.
Entra semestre, sai semestre e os zés ruelinhas não buscam na fonte do saber que
a História nos coloca a disposição para entender o que tento dizer. Quando pego
veteranos colando grau para orientá-los e digo: – Não agradeça a Deus em tua
monografia. O manézinho sem pensar emburra e põe a dedicatória a Deus só para me
contrariar. Pois é, assim terminam o curso sem descobrir (fim da educação é a
descoberta do conhecimento) porque a academia se livrou da religião, em especial
da Igreja Católica Romana, lá pelos Séculos XII e XIV.
Olha que estamos no Século XXI e os que governarão o Brasil amanhã não sabem as
origens da universidade, da ideia de formação da elite de uma nação, de livres
pensadores, de gente capaz de ousar dentro de um limite ético que nada tem a ver
com a pregação moral religiosa, baseada em revelações e interpretações.
Na academia, ou seja na universidade, enfrentamos inúmeros problemas de várias
ordens e implicações no trato com nosso objeto de trabalho: o conhecimento
científico, artístico, tecnológico e cultural.
A implicação primeira é de ordem epistemológica e diz respeito aos processos de
criação e transmissão de conhecimentos, sejam eles clássicos ou de ponta.
Afinal, como fazer isso para formar os quadros superiores da sociedade in totum
com as limitações impostas por esse ou aquele credo religioso. Por exemplo,
colocamos em funcionamento um acelerador de partículas que custa milhões de
reais e como é sábado, vamos desligar tudo por conta da proibição judaica de
trabalhar nesse dia da semana. Mas, essa implicação também está sujeita a outras
formas de intolerância e de preconceito de ordem política, racial, sexual, etc.
Outra implicação no processo de criação e transmissão do conhecimento na
universidade é de ordem econômica. Como manter a academia autônoma sem depender
de dinheiro carimbado por grupos sociais, religiosos ou congêneres. Como criar e
distribuir conhecimentos, orientar seu consumo e a troca de bens simbólicos sem
precisar de dinheiro? Por isso as universidades transformaram-se em instituições
estatais, capazes de funcionar com o dinheiro público.
Entretanto, por conta desse atrelamento ao poder público surge a próxima
implicação para o processo de produção e difusão do saber: as alianças que a
universidade estabelece com as classes dirigentes. O primeiro impacto disso está
na redução da universidade a um tipo de aparelho ideológico do Governo. Em
seguida vem o alinhamento incondicional ao mandatário sem mais criticar sua
atuação. É um terreno movediço e perigoso, pois a academia passa a criar o que o
dono do poder deseja e não o que a sociedade necessita.
Por fim, a última implicação está no campo cultural, pois cabe a universidade
preservar o saber, inovar na fronteira do conhecimento e de fazer imparcialmente
a crítica das mais variadas formas de expressão cultural ou simbólica. Como
fazer isso se a academia estiver atrelada a uma religião, a um partido político,
a um grupo ou classe social?
Para evitar que os formados permaneçam na ignorância sobre o por quê da
veemência com que defendo a separação da academia das religiões, dos partidos
políticos e dos governantes de plantão escrevi esse texto. E da próxima vez que
alguém pensar em fazer um culto religioso no campus de uma universidade
lembre-se que está colocando em risco o livre pensar dos homens e mulheres que
habitam a academia.
(*) Ruy Ferreira é professor dos cursos de Licenciatura em Informática e
Bacharelado em Sistemas de Informação da UFMT;

[i]

http://www.atribunamt.com.br/2011/01/universidade-e-livre-pensar/

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