OPINIAO: NAO HA REVOLUCAO DEMOCRATICA EM TEOCRACIAS

fevereiro 27, 2011 § Deixe um comentário

ZWELA ANGOLA, 25-02-2011

QUANDO OS RATOS FOGEM DO NAVIO

JANER CRISTALDO Por JANER CRISTALDO
Autor do Coluna, “Cristaldo” no Zwela Angola.

Cronistas metidos a cosmopolitas, aqui no Brasil, estão evocando seus turismos
ao Cairo, suas visitas às pirâmides e suas fotos junto a camelos como currículo
para deitar cátedra sobre o que está acontecendo no Egito. É um certo narcisismo
intelectual, tipo “olha como eu sou viajado e entendo de Oriente Médio”. Os
argutos analistas começam sempre evocando sua visita às pirâmides. É a
decadência do jornalismo tupiniquim.

Também estive no Egito, subi o Nilo de Cairo a Assuã, vi as pirâmides, a
Esfinge, Luxor, o Vale dos Mortos. Vi também miséria, imundície, falta de
higiene. Vi água saindo da pia de um trem com cor de petróleo. Vi meninos
nadando junto às felucas para pedir esmolas aos turistas. Estive em um hotel
cinco estrelas, em cuja banheira Cleópatra deve ter-se banhado e, em homenagem à
bela, nunca mais foi lavada.

Estive também em outros países árabes. Sempre como turista. Sem conhecer a
língua e me comunicando um pouco em inglês, outro tanto em francês e no mais das
vezes por gestos. Nada disto me autoriza a uma análise mais profunda do que
ocorre por lá. Um jornalista me pergunta: “quem é que está coordenando os
levantes nos países árabes? Se é que alguém está coordenando. Tem ideologia? Ou
uma coisa é uma coisa e outra é outra bem diferente? Tens idéia do que está
acontecendo?”

Idéia nenhuma, meu caro. E, pelo que leio, ninguém sabe bem do que se trata.
Aparentemente, é um contágio midiático. Não conheço suficientemente o mundo
árabe para tentar qualquer interpretação. Visitei só três países árabes – Egito,
Argélia e Tunísia – e na condição de turista. Conheço mais do Magreb e Oriente
Médio a partir do que li na França. Mas, mesmo olhando de longe, algo se pode
afirmar. A maioria dos analistas está equivocada. Não há – nem haverá – nenhuma
revolução. O que pode haver é troca de síndico. Há quem compare as atuais
convulsões árabes a 1989 e à queda do muro. A comparação não é pertinente. Em
1989, os países socialistas tinham um objetivo definido: pertencer ao Ocidente,
partilhar seus valores. Não é o caso das multidões que hoje se rebelam nos
países árabes.

Mais importante que contestar um ditador, seria contestar o Islã. Os
jornalistas, entusiasmados, falam em revolução democrática. Ora, não há
revolução democrática em teocracias. O Egito, por exemplo: que revolução é essa
que permite um exílio dourado ao ditador deposto? Isso sem falar que o Exército
é tão ou mais corrupto que o Mubarak. Domina desde resorts a condomínios de
luxo, produz desde geladeiras, máquinas de lavar roupa, carros e televisões. Os
generais utilizam a mão de obra, praticamente gratuita, da soldadesca. Alguém
imagina que os generais egípcios vão renunciar a estes privilégios? Ora, contem
outra.

Alguém pensa que um muçulmano renunciará às quatro mulheres às quais o Profeta
(louvado seja seu nome) lhe concede direito? Algum macho árabe renunciará à sua
condição de amo e senhor? Estar por cima é muito confortável e nenhum Mohamed
admitirá um dia que sua mulher saia de baixo. Para sair às ruas e bradar por
revolução, mulher até que serve. Depois, que volte pra cozinha fazer cuscuz. Os
jornalistas que hoje louvam a “revolução democrática” nos países árabes não
passam de ingênuos que do Oriente Médio só conhecem camelos e pirâmides. Que,
aliás, nem são camelos. Mas dromedários.

Em Paris, conheci egípcios, argelinos e palestinos. Tanto no Egito como na
Argélia ou Palestina, há muita revolta entre os mais jovens, que não vêem futuro
algum pela frente. Não sei como será nos demais países. Enfim, no Iêmen e Sudão,
miséria total. Durante meus dias de Sorbonne Nouvelle, tive um bom convívio com
Slimane Zeghidour, autor de La Vie quotidienne à la Mecque – de Mahomet à nos
jours. Na época, Giscard d’Estaing estava oferecendo dez mil francos mais
passagem de volta a todo imigrante que quisesse retornar a seu país. “Podem me
dar a França inteira – me dizia Slimane – Não volto. Não posso levar a França no
bolso”.

Fala-se muito nos efeitos da Internet e Facebook. Nem tanto ao mar, nem tanto à
terra. Rádio e televisão também são fatores importantes. Foi mais ou menos o que
afundou a União Soviética. O pessoal recebe imagens do Ocidente, seu fausto,
suas facilidades, carros, mulheres, sexo e se pergunta: mas e por que eu não
tenho isso? Claro que a Internet tem um efeito multiplicador. Mas já tem gente
querendo demais, se perguntando quando ocorrerão as revoltas na Rússia ou China.
Devagar nas pedras, companheiros! Otimismo tem seus limites.

Tunísia e Egito derrubaram seus ditadores. Todos bajulados pelo Ocidente. Isso
de chefes de Estado do Ocidente ficarem se roçando junto a dirigentes árabes
acaba caindo mal. Agora que Kadafi mandou bombardear os manifestantes em cidades
líbias e promete publicamente matar quem lhe faça oposição, como ficam na
fotografia os líderes ocidentais? Tony Blair recebeu afavelmente o ditador e o
qualificou como parceiro na guerra contra o terror. Logo Kadafi, que deu apoio
aos terroristas que explodiram um avião sobre Lockerbie, matando 270 pessoas.
Silvio Berlusconi encontrou em Kadafi uma alma gêmea. Condoleeza Rice foi
homenageada pelo assassino com jantar de gala. Obama apertou alegremente sua mão
em um encontro na ONU.

Lula o considerava “amigo e irmão”. Ao longo de seus oito anos de mandato, teve
quatro encontros com o ditador. Em um deles posa com Kadafi, ornado com um de
seus berrantes parangolés, de um amarelo de doer os olhos. Justifica:

– Quando o primeiro-ministro britânico se reúne com o Kadafi, todo mundo acha o
máximo, mas quando eu me reúno com ele, todos criticam – rebateu Lula à época do
segundo encontro.

Ou seja: se o premiê britânico abraça um tirano, eu também posso abraçar.
Curiosa lógica. Mas o melhor está acontecendo na França. Em 2007, o coronel
Muamar Kadafi visitou um de seus congêneres, o presidente Nikolas Sarkozy. Em
tais encontros, a praxe é que o evento seja registrado com uma fotografia
oficial. Nesta foto, um Sarkozy sorridente, em gesto afável, aperta a mão do
ditador, que por sua vez ergue o braço esquerdo em sinal de plena adesão.

Segundo leio no Nouvel Obs, a França aderiu à prática soviética de eliminar da
história companhias inconvenientes. Stalin era mestre nisto. É célebre a foto de
um discurso de Lênin, em 1920, na qual a foto de Trotsky foi apagada. E isso
quase um século antes do photoshop. No atual site da Presidência da República,
que faz a cobertura completa do governo Sarkozy, com mais de dez mil
fotografias, a foto do ditador líbio apertando a mão de Sarkozy sumiu. Nem
precisa mais retoques, nem fhotoshop. Basta detonar a foto.

Ainda não sabemos no que vai dar a Líbia. Kadafi não tem dificuldade alguma em
lidar com banhos de sangue. Não consigo vê-lo largando o osso. Em todo caso, há
sinais alentadores. Dois ministros e vários embaixadores já pediram demissão do
cargo, após anos de cumplicidade com a ditadura. Pilotos estão desertando por se
recusarem a bombardear líbios. Tribos antes aliadas a Kadafi estão retirando seu
apoio.

Kadafi acaba de declarar que não irá deixar a Líbia, que é “a nação de seus
ancestrais”, e irá morrer no “honrado solo de seu país”. Traduzindo: vai matar
mais gente, até que não possa matar mais ninguém. Ditador nenhum gosta de morrer
no honrado solo de seu país. Ditador sempre prefere morrer em exílio dourado. O
destempero verbal do ditador, em seu último pronunciamento, denota desespero.

Quando os ratos começam a abandonar o navio, o naufrágio parece ser iminente.

JANER CRISTALDO é Jornalista Brasileiro, formado em Direito, Filosofia, Letras,
Jornalismo. Ele é autor de vários livros, incluindo “A Vitória dos
Intelectuais”. Ele é autor do Coluna, “Cristaldo” no Zwela Angola.
[i]

http://www.zwelangola.com/index-lr.php?id=5117

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